Copacabana - Bolívia |
No caminho até Kasani, cidade fronteiriça entre Peru e Bolívia, encontrava-se a pequena cidade de Copacabana, com seus 3.840 metros acima do nível do mar. Local onde pude ver o sol se pôr de maneira esplendorosa, diante da imensidão do lago navegável mais alto do mundo, parecia mesmo estar diante do oceano e sua linha do horizonte. Ainda me recordo das praias gélidas desse vilarejo, com um nome familiar aos brasileiros, que associam imediatamente a famosa praia carioca, mas que não oferta outra semelhança além de tal sonoridade. Quando cheguei, após deixar a mochila no hotel, senti um ímpeto de subir um pequeno serro, uma ânsia de mirar o cair do sol. Pensava mais uma vez no que cabia a história rasurar o passado.
Descobri pelas andanças que “Copakawana” era a divindade andina símbolo da fertilidade e o território, com localização estratégica às margens do Titicaca, era assim chamado devido oferendas e cultos religiosos à deidade. A cidade se transformou em Nossa Senhora de Copacabana logo após a tomada pelos espanhóis, com a subsequente fundação de sua igreja católica de mesmo nome no local do antigo templo. Assim, pude constatar que o espaço anteriormente destinado ao “profano”, na atualidade manifesta cultos e oferendas à “Virgen de Copacabana”. Local de peregrinação, muitos levam seus automóveis e bens para a benção da Virgem, o que ainda configura para os dois países um sítio sagrado. Anos mais tarde, lendo os “Comentarios Reales”, de Garcilaso de la Vega, descobri que o berço da cultura incaica estava há alguns metros dali, em uma pequena ilha, denominada “del Sol”
. Foi nesse pedaço de terra que nasceu o primeiro inca, Manco Capac, fundador da Q´osqo. O filho do sol, o primeiro monarca inca, deixou aos súditos uma moral fundamental para a sobrevivência coletiva, sustentada em três pilares: “Ama Sua”, “Ama Llulla” e “Ama Qilla”, significantes quéchuas que sucessivamente querem dizer: não roubar, não mentir e não ser preguiçoso. Talvez por esses preceitos um grande império, o Tawantinsuyo, tenha chegado ao ano de 1500 com uma população de cerca 14 milhões de habitantes, dos quais os registros históricos dão indícios de que não havia fome, nem tampouco miserabilidade. De fato, minha curiosidade por essa civilização se tornou explícita nessa cidade. Outro fator significativo, que aprendi ao caminhar pela Isla del Sol, foi como os antepassados lidavam com a temática da morte. As mumificações eram hábito comum, não só para os “nobres”, mas para a população em geral. A crença era baseada no fato de que ao
morto eram ofertados os mesmos itens, inclusive alimentos, oferecidos aos vivos. Dessa forma, os entes queridos eram deixados em locais sagrados, dentro ou perto dos domicílios, donde constantemente eram reverenciados. Quando obtive essa informação de um guia local, compreendi o fato de que os cemitérios por toda Bolívia são floridos e cuidados, com presença constante de pessoas. Penso que por lá a morte é algo lembrado e reificado, diferente de como muitos de nós brasileiros a tratamos. Inquietante essa questão: como cada cultura, em diferentes contextos, simboliza o insimbolizável da morte? Antes de atravessar a fronteira, após a visita à famosa Isla, havia me dado conta que já não estava mais sozinho, uma vez que viajava com um grupo de paulistanos, rumo à antiga capital imperial: Cusco.
Pôr do sol - Lago Titicaca |
Isla del Sol |
Representação de um altar com oferenda aos antepassados |
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