quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Pachamama


Atingir a meta, chegar ao objetivo, desejo nunca satisfeito. Conhecer Machu Picchu me causou uma imensa satisfação, uma sensação de adentrar ao desconhecido, superar as confabulações imaginárias ao longo do percurso e poder reconhecer que todo território tem uma história, contada por muitos. Mas o ponto fundamental, é que pude me tornar protagonista da minha própria, que, antes de ser narrativa, se configurou como uma abertura para um mundo irrefletido bem diferente do “habitus” costumeiro da vida em minha cidade. Isso mesmo, não havia qualquer construção reflexiva acerca dos aspectos culturais com os quais me deparei, apenas uma leve impressão de habitar o Mundo, com todas as dificuldades que o idioma me impunha, a cada nova situação uma maneira de encarar os fatos, sem a rigidez de um repertório previamente conhecido. É engraçado como atualmente verifico aspectos simples da vida cultural aqui no Brasil e me ponho a questionar com outros olhos, com outra configuração de valores, agregados às impressões que tal experiência produziu em mim. Por isso, o leitor deve desconsiderar completamente a centralidade dessa narração, não se trata de uma propriedade, do meu Eu, mas disso que permanece ainda como resto e que tento contornar nessa escrita, que pode ser lida a partir de múltiplos olhares. De fato caminhei por entre pedras, mas com um sentimento de coisa viva, com ânsia de chegar. A reflexão só veio depois, agora, quase cinco anos passados. O retorno à Cusco naquela ocasião, sozinho novamente, provocou-me a impressão de que agora cabia o regresso. Uma mescla de realização e frustração por ter atingido o  
Vista noturna da Plaza de Armas - Cusco
 destino primordial da viagem, por ter satisfeito uma intenção em ato, me fazia querer mais. Muita coisa havia ficado, deixei uma boa parte do orgulho, da insegurança e dos meus medos. Mas encontrei algo muito valioso, que de qualquer modo insistia em permanecer como uma busca. Anos depois vim a entender como a mitologia Inca configura a imago materna: a Pachamama, popularmente conhecida como a mãe-terra. Deidade que ocupa papel central na crença ancestral, que simboliza a fertilidade e a proteção, provedora da vida, mas que cobra um ônus significativo para cada um, uma parcela de responsabilidade mitificada em oferendas ou “pagos a la tierra”, mas que em contrapartida permite o acesso ao Desejo, ao querer e sua gratificação. O vocábulo Pacha pode ser traduzido de diversas maneiras, em quéchua pode significar: mundo, universo e tempo, substantivos que podem estar separados ou contidos nos outros. No catolicismo, a metáfora e metonímia dessa divindade feminina é representada também pela “Virgen de la Candelaria” (na Bolívia sua variação é a da “Virgen de Copacabana”, mencionada no Post: Uma outra Fronteira), cuja oferenda primordial consiste em acender uma vela, para obter a graça do cuidado e iluminação divina. Hoje, sinto que de alguma maneira precisava me reconciliar com isso que representava uma imagem perdida em minha vida, com algo da ordem da feminilidade. Carreguei por longos anos esse traço de ausência, uma falta de cuidado maternal, perdi minha mãe muito cedo. Certamente o mito da Pachamama prestou-se a realizar essa suplência, talvez fosse essa a minha busca, reencontrar-me com achego e vida. Ah, isso fez toda diferença, passei a desejar amor e creio que nessa ocasião realmente o encontrei. De certo modo, isso me faz perceber que quando fazemos turismo, ou adentramos em um local desconhecido, quase sempre estamos poluídos por nossas impressões e conceitos do mundo, nossos valores, nossos hábitos alimentares, etc. Mas há sempre a possibilidade radical de rompermos com aquilo que existe de mais cristalizado em cada um de nós. Definitivamente na volta à Cusco eu já não suportava mais o tempero forte de cominho, queria apenas comer algo costumeiro, nesse momento um bom espaguete era a única solução. No entanto, pressenti duas coisas quando estava para deixar a cidade: a primeira intuição que tive foi a de que retornaria ali, a segunda, que a volta para Belo Horizonte seria tão instigante quanto o percurso rumo ao destino inicial. Reconheço nessas linhas uma perspectiva demasiado antropológica, outras vezes, o tom intimista em minhas descrições torna-se preponderante. Por isso, gostaria de convidar o leitor a descrever suas próprias experiências de viagem, qualquer relato seria produtivo.
Pachamama
Representação pictográfica extraída de um monumento - Museu de Tiahuanaco - Bolívia

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